Emily Lima assume o comando da seleção feminina
Treinadora faz história como primeira mulher a dirigir a time nacional e espera participar ativamente da fase de mudanças no futebol feminino brasileiro
Na manhã desta quinta-feira (3) a Confederação Brasileira de
Futebol (CBF) apresentou oficialmente a técnica do São José, Emily Lima, como a
nova treinadora da seleção de futebol feminino. Apesar de jovem, 34 anos
apenas, a treinadora já teve experiência à frente da seleção. Em 2013, ela comandou
as seleções femininas sub- 15 e sub-17. Recentemente dirigiu o São José, onde
foi vice-campeã do Brasileirão feminino em 2015 e da Copa do Brasil desse ano.
Emily foi anunciada como treinadora da seleção logo após a
demissão do técnico Vadão, nesta terça-feira (1). O treinador estava no comando
do time brasileiro desde 2014, quando conquistou o Torneio Internacional de
Futebol Feminino de Manaus, feito que repetiu no ano seguinte. Ele ainda
conquistou a medalha de ouro no pan-americano de Toronto, ainda em 2015, e
apesar do desempenho abaixo do esperado nos jogos do Rio 2016, foi indicado
como candidato a melhor treinador do ano pela Fifa.
Primeira mulher na história do Brasil a treinar uma seleção
principal, Emily garantiu a permanência das jogadoras Marta e Cristiane no
projeto para a renovação da seleção. “Desejo muito que Marta e Cristiane continuem
no projeto da seleção. Acredito muito nas meninas mais novas, mas precisamos
nos renovar com cautela”, disse a treinadora durante a apresentação.
Emily jogou em times como São Paulo e Santos, antes de ser
transferida para a Europa, em 2001. No velho continente, atuou sete anos na
Espanha e um na Itália, quando jogou no Napoli, clube onde encerrou a carreira.
Em 2011, integrou-se à comissão técnica da Portuguesa e no mesmo ano foi
contratada como treinadora pelo Juventus-SP.
O primeiro desafio da comandante é no Torneio Internacional
de Manaus, que acontece em dezembro, na capital Amazonense.
Opinião
Emily Lima é mais que um sopro (um vendaval) de modernidade
nos campos do Brasil. Mesmo que ainda não tenha definido um modelo de jogo, é
provável que adote a tradicional defesa em linha e ataque com três jogadoras,
favorecendo o estilo de jogo ofensivo; a cara dela. Mas a representação de
moderno que descrevo aqui não se trata do que acontece dentro das linhas de
jogo e sim o que vem de fora: Emily é um “xô” ao preconceito.
Embora não se sinta à vontade (e nem deveria) de tomar para
si a responsabilidade de abrir caminhos para outras mulheres, a simples
presença dela o faz. Devemos reconhecer que a participação delas no comando de
equipes esportivas é muito restrita, portanto, só em deixar a figuração e
assumir o posto máximo da comissão técnica de futebol feminino representa uma
significativa mudança no esporte nacional.
Em entrevista ao site Trivela.com, a agora
comandante da seleção feminina falou sobre o desinteresse das atletas em
seguirem no futebol, mesmo depois das aposentadorias. Para ela, o baixo
investimento financeiro na modalidade faz com quem as atletas se dediquem à
estudos em outras áreas, sendo cada vez mais afastadas do futebol.
“Essas meninas trabalham por 12, 14 anos, algumas até mais,
com todas as dificuldades que o futebol feminino tem. E depois ela ainda vai
querer continuar nesse meio, sendo que pode estudar paralelamente, fazer
faculdade e buscar sua vida em outra coisa? Então eu acho que é um pouco das
duas coisas. A falta de incentivo das federações e da CBF em capacitar as
treinadoras, as ex-atletas em si, e o desinteresse também. É 50% de cada um”,
contou a treinadora.
E esse parece ser o legado de Emily no comando da seleção:
auxiliar o desenvolvimento de profissionais mulheres para o futebol. Tanto que,
em suas entrevistas como técnica do time feminino ela deixou claro o interesse
em estar próxima do técnico da seleção masculina, Tite. Ela espera aproveitar da vasta experiência do
treinador para alavancar o futebol feminino.
“Uma das perguntas que fiz ao presidente foi se eu poderia
trocar ideias com o Tite. Eu já vinha pensando nisso, eu gostaria de estagiar
com ele no Corinthians, mas não pude na época. Hoje, mais próxima, eu espero
que isso aconteça, pois vai engrandecer muito meu trabalho. Admiro demais o
Tite como pessoa e como profissional”, contou a treinadora durante a coletiva
de apresentação.
Por isso a missão dela é bem maior que simplesmente
conquistar títulos. Para aumentar um pouco mais a pressão, o primeiro desafio
de Emily poderia ser mais simples, não fosse o resultado de Vadão na competição.
O antigo treinador deixa o bicampeonato no torneio como legado e isso pode gerar
algumas situações embaraçosas nesse primeiro momento da treinadora no comando
da equipe.
Ainda na entrevista ao Trivela.com, a treinadora foi firme
ao avaliar a diferença no tratamento dado aos treinadores homens em relação às
mulheres. “O homem não precisa provar
que é capaz de ser técnico, a gente precisa a cada dia”, desabafou.
De fato, a jovem treinadora que possui apenas cinco anos de
carreira não tem a obrigação de provar nada a ninguém. Caso entenda isso antes
do Torneio Internacional ela pode começar a mostrar a força do seu trabalho
ainda em Manaus, dois meses após assumir o cargo de treinadora. Mas mesmo as
pessoas mais tranquilas sentem a pressão e a força da comparação, isso sem
falar no preconceito que recai sobre seus ombros e o peso de representar todas
as mulheres brasileiras no futebol.
Porém, é natural que essa nuvem negativa pouse sobre a
cabeça da técnica da seleção pelo menos nesse primeiro momento e aí entra a
hora de ter paciência. Não restam dúvidas da capacidade e do potencial de
alguém que rompeu barreiras para fazer sua competência ser reconhecida. Emily é
hoje o que o futebol precisa, masculino e feminino, o novo, e como treinadora
do São José mostrou-se preparada para estar à beira do gramado.
Ainda dia 1 de novembro, data do anúncio do nome de Emily
Lima como treinadora da seleção, a CBF anunciou uma série de mudanças para o
campeonato brasileiro da modalidade ainda para 2017, a principal delas foi a
distribuição das equipes em duas divisões e um calendário mais extenso. Além
disso, a Confederação Sul Americana de Futebol (Conmebol), determinou que a
partir de 2018, manter equipes femininas será requisito para os times
masculinos classificados para a Libertadores da América. A ideia é realizar o
torneio masculino e feminino no mesmo período.
O futebol feminino passa a ser enxergado como um negócio
promissor, ganha regularidade, acabando com a dúvida quanto à realização do
campeonato nacional. Se a treinadora é símbolo da luta da mulher por espaço, só
elas poderão dizer. Mas podemos afirmar que o futebol feminino enxerga dias
melhores e voa para o futuro sob o comando delas. Comparecer aos jogos é, mais
do que nunca, obrigação. Conquistar títulos é um mero detalhe. A única conquista
que queremos é que as meninas boleiras do Brasil possam viver daquilo que
gostam: o futebol. Já seria bom demais.


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