quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Emily Lima assume o comando da seleção feminina
Treinadora faz história como primeira mulher a dirigir a time nacional e espera participar ativamente da fase de mudanças no futebol feminino brasileiro




Na manhã desta quinta-feira (3) a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) apresentou oficialmente a técnica do São José, Emily Lima, como a nova treinadora da seleção de futebol feminino. Apesar de jovem, 34 anos apenas, a treinadora já teve experiência à frente da seleção. Em 2013, ela comandou as seleções femininas sub- 15 e sub-17. Recentemente dirigiu o São José, onde foi vice-campeã do Brasileirão feminino em 2015 e da Copa do Brasil desse ano.

Emily foi anunciada como treinadora da seleção logo após a demissão do técnico Vadão, nesta terça-feira (1). O treinador estava no comando do time brasileiro desde 2014, quando conquistou o Torneio Internacional de Futebol Feminino de Manaus, feito que repetiu no ano seguinte. Ele ainda conquistou a medalha de ouro no pan-americano de Toronto, ainda em 2015, e apesar do desempenho abaixo do esperado nos jogos do Rio 2016, foi indicado como candidato a melhor treinador do ano pela Fifa.

Primeira mulher na história do Brasil a treinar uma seleção principal, Emily garantiu a permanência das jogadoras Marta e Cristiane no projeto para a renovação da seleção. “Desejo muito que Marta e Cristiane continuem no projeto da seleção. Acredito muito nas meninas mais novas, mas precisamos nos renovar com cautela”, disse a treinadora durante a apresentação.

Emily jogou em times como São Paulo e Santos, antes de ser transferida para a Europa, em 2001. No velho continente, atuou sete anos na Espanha e um na Itália, quando jogou no Napoli, clube onde encerrou a carreira. Em 2011, integrou-se à comissão técnica da Portuguesa e no mesmo ano foi contratada como treinadora pelo Juventus-SP.

O primeiro desafio da comandante é no Torneio Internacional de Manaus, que acontece em dezembro, na capital Amazonense.

Opinião

Emily Lima é mais que um sopro (um vendaval) de modernidade nos campos do Brasil. Mesmo que ainda não tenha definido um modelo de jogo, é provável que adote a tradicional defesa em linha e ataque com três jogadoras, favorecendo o estilo de jogo ofensivo; a cara dela. Mas a representação de moderno que descrevo aqui não se trata do que acontece dentro das linhas de jogo e sim o que vem de fora: Emily é um “xô” ao preconceito.

Embora não se sinta à vontade (e nem deveria) de tomar para si a responsabilidade de abrir caminhos para outras mulheres, a simples presença dela o faz. Devemos reconhecer que a participação delas no comando de equipes esportivas é muito restrita, portanto, só em deixar a figuração e assumir o posto máximo da comissão técnica de futebol feminino representa uma significativa mudança no esporte nacional.

Em entrevista ao site Trivela.com, a agora comandante da seleção feminina falou sobre o desinteresse das atletas em seguirem no futebol, mesmo depois das aposentadorias. Para ela, o baixo investimento financeiro na modalidade faz com quem as atletas se dediquem à estudos em outras áreas, sendo cada vez mais afastadas do futebol.

“Essas meninas trabalham por 12, 14 anos, algumas até mais, com todas as dificuldades que o futebol feminino tem. E depois ela ainda vai querer continuar nesse meio, sendo que pode estudar paralelamente, fazer faculdade e buscar sua vida em outra coisa? Então eu acho que é um pouco das duas coisas. A falta de incentivo das federações e da CBF em capacitar as treinadoras, as ex-atletas em si, e o desinteresse também. É 50% de cada um”, contou a treinadora.

E esse parece ser o legado de Emily no comando da seleção: auxiliar o desenvolvimento de profissionais mulheres para o futebol. Tanto que, em suas entrevistas como técnica do time feminino ela deixou claro o interesse em estar próxima do técnico da seleção masculina, Tite. Ela espera aproveitar da vasta experiência do treinador para alavancar o futebol feminino.

“Uma das perguntas que fiz ao presidente foi se eu poderia trocar ideias com o Tite. Eu já vinha pensando nisso, eu gostaria de estagiar com ele no Corinthians, mas não pude na época. Hoje, mais próxima, eu espero que isso aconteça, pois vai engrandecer muito meu trabalho. Admiro demais o Tite como pessoa e como profissional”, contou a treinadora durante a coletiva de apresentação.

Por isso a missão dela é bem maior que simplesmente conquistar títulos. Para aumentar um pouco mais a pressão, o primeiro desafio de Emily poderia ser mais simples, não fosse o resultado de Vadão na competição. O antigo treinador deixa o bicampeonato no torneio como legado e isso pode gerar algumas situações embaraçosas nesse primeiro momento da treinadora no comando da equipe.

Ainda na entrevista ao Trivela.com, a treinadora foi firme ao avaliar a diferença no tratamento dado aos treinadores homens em relação às mulheres.  “O homem não precisa provar que é capaz de ser técnico, a gente precisa a cada dia”, desabafou.



De fato, a jovem treinadora que possui apenas cinco anos de carreira não tem a obrigação de provar nada a ninguém. Caso entenda isso antes do Torneio Internacional ela pode começar a mostrar a força do seu trabalho ainda em Manaus, dois meses após assumir o cargo de treinadora. Mas mesmo as pessoas mais tranquilas sentem a pressão e a força da comparação, isso sem falar no preconceito que recai sobre seus ombros e o peso de representar todas as mulheres brasileiras no futebol.

Porém, é natural que essa nuvem negativa pouse sobre a cabeça da técnica da seleção pelo menos nesse primeiro momento e aí entra a hora de ter paciência. Não restam dúvidas da capacidade e do potencial de alguém que rompeu barreiras para fazer sua competência ser reconhecida. Emily é hoje o que o futebol precisa, masculino e feminino, o novo, e como treinadora do São José mostrou-se preparada para estar à beira do gramado.

Ainda dia 1 de novembro, data do anúncio do nome de Emily Lima como treinadora da seleção, a CBF anunciou uma série de mudanças para o campeonato brasileiro da modalidade ainda para 2017, a principal delas foi a distribuição das equipes em duas divisões e um calendário mais extenso. Além disso, a Confederação Sul Americana de Futebol (Conmebol), determinou que a partir de 2018, manter equipes femininas será requisito para os times masculinos classificados para a Libertadores da América. A ideia é realizar o torneio masculino e feminino no mesmo período.


O futebol feminino passa a ser enxergado como um negócio promissor, ganha regularidade, acabando com a dúvida quanto à realização do campeonato nacional. Se a treinadora é símbolo da luta da mulher por espaço, só elas poderão dizer. Mas podemos afirmar que o futebol feminino enxerga dias melhores e voa para o futuro sob o comando delas. Comparecer aos jogos é, mais do que nunca, obrigação. Conquistar títulos é um mero detalhe. A única conquista que queremos é que as meninas boleiras do Brasil possam viver daquilo que gostam: o futebol. Já seria bom demais.

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